"A água é um ser vivo, professora?" A questão, que intrigou uma turma de EJA, induziu a uma série de estudos. Os alunos descobriram que a resposta é "não".
No início de um estudo sobre os seres vivos, a professora Patrícia Mandaglio, do Centro Municipal de Programas Educacionais (Cempre) Doutora Ruth Cardoso, em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, propôs aos alunos do 6º ano da Educação de Jovens e Adultos (EJA) um debate sobre as coisas vivas e as não vivas presentes no entorno da escola. Nesse momento, eles elaboraram uma hipótese: a água poderia ser um ser vivo.
Os estudantes, com média de idade de 45 anos, embasaram sua conclusão associando as propriedades desse elemento às de alguns alimentos. "A alface brota, é colhida e depois nos serve de alimento. A carne vem de um animal. Assim, os alunos concluíram que a água, assim como alguns alimentos, é viva, pois nos sustenta", afirma Patrícia. Além disso, ela serve de habitat para animais e plantas, o que reforçava a ideia inicial.
Outro fator pode fundamentar o argumento: a associação com a expressão rio morto - um curso d’água que, devido ao baixo nível de oxigênio e à alta concentração de poluentes, não oferece condições à vida. A classificação de outros elementos, como a terra e o ar, também despertava dúvidas. "Não é fácil definir vida, já que os componentes bióticos e abióticos interagem entre si", diz Antonio Carlos Pavão, docente da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e diretor do Espaço Ciência, em Recife.
Problematizar as dúvidas e as hipóteses iniciais
Durante um trabalho desse tipo, o ideal é considerar os comentários da turma e a lógica que há por trás deles para, então, sugerir um estudo que questione a primeira conclusão. Foi o que fez Patrícia ao identificar as hipóteses e os questionamentos dos estudantes. Em seguida, pediu que pensassem sobre o que tinha sido discutido e trouxessem exemplos para a aula seguinte. De volta à classe, todos categorizaram os exemplos em uma tabela no quadro-negro.
O próximo passo foi estudar as caraterísticas dos seres vivos: a organização celular, a interação com outros seres, a necessidade de se alimentar, a capacidade de se reproduzir e o ciclo vital - nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento e morte.
Depois dessa etapa, a turma concluiu que a água, assim como a terra e o ar, não tinha as características de um ser vivo, revendo alguns itens da tabela. À medida que os alunos adquiriam novos conhecimentos, Patrícia passava a usar termos técnicos. "Expliquei que componente biótico corresponde a todo elemento vivo, e componente abiótico, aos não vivos. Eles rapidamente incorporaram o novo vocabulário", relata. Um novo quadro foi construído. As informações foram utilizadas para estabelecer relações de interdependência entre os elementos envolvidos. "Surgiram algumas observações interessantes: o vegetal que compramos no mercado, que faz a fotossíntese, alimenta inúmeros seres vivos, inclusive o homem. A madeira do forro das casas veio de uma árvore, que também é um ser vivo. E todos dependem dos nutrientes na terra para sobreviver", relata Patrícia.
Com base nas descobertas coletivas, é possível propor a investigação de casos específicos. Pode-se observar o desenvolvimento de uma planta, por exemplo, sugerindo que os alunos pensem em como ela cresceu. "É importante dialogar sobre as observações, fazer leituras complementares, discutir as ideias levantadas e concluir com uma resposta à dúvida", destaca Carolina Luvizoto, formadora de professores do Instituto Sangari, em São Paulo. A especialista chama a atenção para a sistematização de todo conteúdo trabalhado, que pode ser feita de forma individual ou coletiva.
Assim, todos entendem as inter-relações entre os diversos elementos da natureza e se tornam capazes de articular conhecimentos, formulando, reformulando e validando hipóteses.
Fonte: NOVA escola