quinta-feira, 20 de março de 2014

Piso nacional do magistério e os cálculos equivocados do MEC o lento e gradual rombo aos bolsos dos professores


O piso nacional do magistério vem sendo reiteradamente descumprido pelo MEC, com o aval da AGU, seja porque o entendimento adotado pela Administração Pública fere a legislação vigente, seja em virtude da utilização equivocada de portarias já revogadas.


Resumo: O “piso nacional do magistério”, como é vulgarmente denominado o piso salarial profissional nacional dos profissionais do magistério público da educação básica, vem sendo reiteradamente descumprido pelo Ministério da Educação - MEC, sobretudo com o aval da Advocacia-Geral da União - AGU, seja porque o entendimento adotado pela Administração Pública fere a legislação vigente, seja em virtude da utilização equivocada de Portarias já revogadas no cálculo das atualizações do mínimo salarial, ano após ano


INTRODUÇÃO

“FÓRMULA DO CÁLCULO DO PISO SALARIAL PROFISSIONAL NACIONAL DO MAGISTÉRIO: Basta pegar o valor aluno consolidado no ano de 2008 e diminuir do valor aluno válido para 2014. Calcular o percentual e depois aplicar o percentual sobre o piso contido na Lei Federal em 2008, que foi fixado inicialmente em R$ 950,00” (Dr. Valdecy Alves, advogado militante em Fortaleza-CE e procurador da FETAMCE - Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará)¹
A legislação federal é clara e objetiva. Não há dúvidas quanto à forma de aplicação dos índices de atualização dos vencimentos mínimos dos professores da educação básica.
O MEC, assessorado pela AGU, além de desobedecer o art. 5º da Lei nº 11.738/08 desde o exercício de 2009, maculando o direito expresso inserido no inciso II do art. 3º deste mesmo Diploma legal, vem, repetidamente, prejudicando os reajustes subsequentes.
Some-se a isso o fato de que a AGU, ao orientar o MEC, acabou adotando equivocadamente os valores anuais mínimos por aluno das Portarias nº 1.027/08 e 788/09, ambas substituídas/revogadas pelas 386/09 e 496/10, respectivamente.
Desta forma, o presente trabalho visa o exame detalhado das regras de correção do piso nacional do magistério brasileiro, de forma a demonstrar que tanto o MEC, quanto a AGU, erraram ao corrigir tal vencimento, o que acabou por gerar um efeito cascata e prejudicar, sucessivamente, os demais reajustes. Vejamos:

1. A REGULAMENTAÇÃO DO PISO E OS ERROS COMETIDOS

1.1. A legislação vigente

A Lei Federal nº 11.738/08, que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, definiu, no caput de seu art. 2º, o valor remuneratório mínimo mensal dos professores, aplicável para jornada de, no máximo, 40 horas-aula (art. 2º, §1º), com aplicação imediata a partir de 1º/01/08 (art. 3º, caput). A propósito (sem grifos no original):
Art. 2º. O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) mensais, para a formação em nível médio...
§1º. O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.
(...)
Art. 3º. O valor de que trata o art. 2º desta Lei passará a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2008...
Portanto, desde 1º/01/08, todos os professores públicos lotados na educação básica deveriam receber R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) por mês.
Prosseguindo, o mesmo diploma legal retrocitado estipulou ainda, na parte final do caput do art. 3º e em seu inciso II, que o valor do piso salarial de 2008 (R$ 950,00) seria reajustado anualmente, a partir de 2009 (art. 5º), segundo o “percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno”. Neste passo (destaquei):
Art. 3º. O valor de que trata o art. 2º desta Lei passará a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2008, e sua integralização, como vencimento inicial das Carreiras dos profissionais da educação básica pública, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios será feita de forma progressiva e proporcional, observado o seguinte: (...)
II - a partir de 1º de janeiro de 2009, acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença entre o valor referido no art. 2º desta Lei, atualizado na forma do art. 5º desta Lei, e o vencimento inicial da Carreira vigente. (...)
Art. 5º. O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009.
Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007.
Já a Lei Federal nº 11.494/07, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, aduz que o valor médio ponderado por aluno será calculado na forma do seu Anexo e que o Poder Executivo Federal publicará anualmente tais valores. É ver (grifei):
Art. 4º. A União complementará os recursos dos Fundos sempre que, no âmbito de cada Estado e no Distrito Federal, o valor médio ponderado por aluno, calculado na forma do Anexo desta Lei...
§1º. O valor anual mínimo por aluno definido nacionalmente constitui-se em valor de referência relativo aos anos iniciais do ensino fundamental urbano e será determinado contabilmente em função da complementação da União. (...)
Art. 15. O Poder Executivo federal publicará, até 31 de dezembro de cada exercício, para vigência no exercício subsequente: (...)
IV - o valor anual mínimo por aluno definido nacionalmente. (...)
Art. 30. O Ministério da Educação atuará:(...)
IV - na realização de estudos técnicos com vistas na definição do valor referencial anual por aluno que assegure padrão mínimo de qualidade do ensino.
Deste modo, como competia ao Ministério da Educação - MEC divulgar anualmente o “valor aluno”, em 2009, primeiro ano de reajuste do piso de 950 reais (inciso II do art. 3º da Lei nº 11.738/08), foram elaboradas três Portarias, nº 221 de 10/03/09, 788 de 14/08/09 e 496 de 16/04/10, tendo prevalecido esta última, cujo valor aluno estipulado era de R$ 1.227,17, na medida em que a mais nova revoga aquela(s) anterior(es).

1.2. A Sucessão de Portarias do MEC

Restou então calcular a diferença entre este e o valor aluno de 2008 (Portaria nº 386 de 17/04/09 do MEC), de R$ 1.172,85, a fim de obter o percentual de aumento e, assim, aplicar 2/3 (dois terços) de tal resultado sobre o piso criado (R$ 950,00). Vejamos (sem grifos na redação original):
Portaria MEC nº 386, de 17 de abril de 2009.
Art. 2º. Rever, em relação ao exercício de 2008, o valor mínimo nacional por aluno/ano, constante do art. 2º da Portaria Interministerial nº 1.027, de 19 de agosto de 2008, que fica estabelecido em R$ 1.172,85 (Um mil, cento e setenta e dois reais e oitenta e cinco centavos), em decorrência do ajuste de que trata o art. 1º.
Portaria MEC nº 496, de 16 de abril de 2010.
Art. 2º. Rever, em relação ao exercício de 2009, o valor mínimo nacional por aluno/ano, constante do art. 2º da Portaria nº 788, de 14 de agosto de 2009, que fica estabelecido em R$ 1.227,17 (Um mil, duzentos e vinte e sete reais e dezessete centavos), em decorrência do ajuste de que trata o art. 1º.
Inclusive, repito, faz-se necessário acrescentar nesta oportunidade que, em virtude da emissão de várias Portarias pelo MEC com o valores anuais mínimos por aluno para um mesmo exercício, deverá ser adotada sempre a última emitida, pois a mais recente revoga a anterior e assim por diante, de acordo com redação expressa das próprias Portarias.

1.3. Cálculo Correto para 2009

Destarte, a grosso modo, mediante cálculos aproximados, vê-se que a diferença entre 2008 e 2009 perfaz R$ 54,32 ou 4,63% (quatro vírgula sessenta e três por cento) de aumento sobre o valor de 2008.
Logo, em obediência ao multicitado inciso II do art. 3º da Lei nº 11.738/081, aplicar-se-á sobre o valor do art. 2º desta lei (R$ 950,00) o percentual encontrado (4,63%), totalizando R$ 993,98. Ato contínuo, extrai-se a diferença entre este valor atualizado e o “vencimento inicial da Carreira vigente” (R$ 950,00), perfazendo R$ 43,98 de aumento. Deste valor derradeiro se obtém 2/3 (dois terços) desta quantia, que aqui no exemplo totalizará R$ 29,32 e corresponderá ao aumento a ser aplicado para 2009.
Em outras palavras, desde 1º/01/09, o piso salarial, ou remuneração mínima mensal, dos professores da educação básica deveria ser de, aproximadamente, R$ 979,32 (novecentos e setenta e nove reais e trinta e dois centavos).

1.4. Primeiro Equívoco do MEC

Aqui abro um parêntese para mencionar que o MEC, no ano de 2009, não informou qual seria o valor do piso para aquele exercício, tendo os professores recebido, erroneamente, apenas 950 reais por mês, contrariando, repito, o art. 3º, inciso II, da Lei nº 11.738/08.

1.5. Cálculo Correto para 2010

Em seguida, para o exercício de 2010, o MEC editou, como último regramento, a Portaria nº 380 em 06/04/11, estipulando o valor aluno em R$ 1.529,97. Observemos (negritei e sublinhei):
Portaria MEC nº 380, de 06 de abril de 2011
Art. 2º Rever, em relação ao exercício de 2010, o valor mínimo nacional por aluno/ano, a que se refere o art. 2º da Portaria Interministerial nº 538-A, de 26 de abril de 2010, o qual fica estabelecido em R$ 1.529,97 (Um mil, quinhentos e vinte e nove reais e noventa e sete centavos), em decorrência do ajuste de que trata o art. 1º.
Por conseguinte, novamente, dado o efeito cascata, mediante cálculos aproximados, vê-se que a diferença entre 2009 (R$ 1.227,17) e 2010 perfaz R$ 302,80 ou 24,65% (vinte e quatro vírgula sessenta e cinco por cento) de aumento sobre o valor de 2009.
Aplicando-se sobre o piso atualizado de 2009 (R$ 979,32) chegamos a R$ 1.220,72. Ato contínuo, extrai-se a diferença entre o valor atualizado e o “vencimento inicial da Carreira vigente” (R$ 950,00), perfazendo R$ 270,72 de aumento. Deste valor derradeiro se obtém 2/3 (dois terços) desta quantia, que aqui no exemplo totalizará R$ 180,48 e corresponderá ao aumento a ser aplicado para 2010.
Assim, desde 1º/01/10, o piso salarial deveria ser de, aproximadamente, R$ 1.159,80 (um mil, cento e cinquenta e nove mil e oitenta centavos).

1.6. Segundo Equívoco do MEC

O MEC, por seu turno, em 30/12/09, mediante simples comunicado no seu sítio na internet², mencionou que o piso, a partir de 1º/01/10, seria de R$ 1.024,67. Errou por muito. É ver:
“Interpretação da AGU aponta R$ 1.024,67 a partir de janeiro
Quarta-feira, 30 de dezembro de 2009 - 09:05
A Advocacia-Geral da União (AGU) respondeu nesta terça-feira, 29, consulta feita pelo Ministério da Educação sobre a interpretação do art. 5º da Lei nº 11.738/2008 que atrela o reajuste do piso nacional dos professores ao crescimento do valor anual mínimo por aluno do Fundeb.
Em sua resposta, a AGU entende que a melhor interpretação do referido dispositivo é a que permite a utilização de um parâmetro efetivo para a identificação da variação do valor anual mínimo por aluno. Seguindo essa interpretação, o percentual de reajuste sugerido para o ano de 2010 é de 7,86%, referente à diferença dos valores mínimos por aluno aferidos nos anos de 2008 e 2009, consignados na Portaria Interministerial nº 1.027, de 19 de agosto de 2008, e na Portaria Interministerial nº 788, de 14 de agosto de 2009.
A aplicação do percentual eleva o piso de R$ 950,00 para R$ 1.024,67 para uma jornada de 40 horas semanais a partir de 1º de janeiro de 2010. Embora a interpretação da AGU não seja vinculante, esta será a recomendação do MEC aos entes federados que o consultarem sobre o tema.
Assessoria de Comunicação Social do MEC
Palavras-chave: Piso salarial”
Em primeiro lugar, o cálculo apresentado, segundo o MEC, pela Advocacia-Geral da União - AGU não aplicou a correção do art. 5º da Lei nº 11.738/08 desde 2009, ferindo o o inciso II do art. 3º deste mesmo Diploma legal e prejudicando os reajustes subsequentes.
Além disso, a AGU adotou equivocadamente os valores anuais mínimos por aluno das Portarias nº 1.027/08 e 788/09, ambas substituídas/revogadas pelas 386/09 e 496/10, conforme já dito anteriormente.

2. SITUAÇÃO DOS PROFESSORES QUE JÁ RECEBEM ACIMA DO PISO

Muito embora se perceba que o piso remuneratório dos professores da educação básica não vem sendo respeitado, sendo inclusive corrigido anualmente de maneira irregular, saliento que, para os professores que laborarem apenas 30 (trinta) horas semanais dentro do piso ou já possuírem carga horária de 40 (quarenta) horas mais salário acima do piso nacional, não haverá irregularidade no pagamento dos seus rendimentos, tendo em vista que já vinham recebendo remuneração acima do mínimo, sobretudo daquele de R$ 950,00 cuja aplicação imediata foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal - STF via Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 4.167/DF.
Isto significa dizer que eles não foram prejudicados pela má interpretação dada à legislação em vigor pelo MEC ou pelo eventual empregador, muito menos pelo STF, pois sempre possuiu verba salarial acima do piso, seja ele municipal, seja o estipulado pelo Governo Federal.
Por conseguinte, não fará jus às correções da Lei nº 11.738/08. Vejamos o entendimento dominante do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás quanto à matéria:
2. VALOR. PISO SALARIAL. ATENDIDO. ACRÉSCIMO DE BENEFÍCIOS PESSOAIS. IMPOSSIBILIDADE. Comprovado que a servidora aufere subsídio em valor superior àquele previsto na Lei 11.738/2008, não há que se falar em sua adequação. Ademais conforme restou evidenciado pelo juiz de primeiro grau, não há como acrescer ao piso geral, os benefícios pessoais da requerente (TJGO, 6ª Câmara Cível, AC 158794-89.2012.8.09.0126, Rel. Dr. MARCUS DA COSTA FERREIRA, DJe 1.409 de 16/10/13).
3. Verificando-se que a remuneração/vencimento da servidora suplicante sempre esteve em patamar superior ao piso nacional, não prospera a tese de que o ente federativo estadual não estaria efetuando o pagamento de acordo com o determinado na Lei federal nº 11.738/2008, devendo ser mantida a sentença de improcedência do pedido (TJGO, 4ª Câmara Cível, AC 259314-69.2012.8.09.0122, Rel. Dra. SANDRA REGINA TEODORO REIS, DJe 1.346 de 18/07/13).

3. DESNECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA NAS AÇÕES DE REVISÃO

As ações declaratórias de revisão de remuneração ajuizadas pelos professores interessados têm tramitado junto ao Poder Judiciário sem a necessidade da dilação probatória mais profunda, não havendo se falar em cerceamento de defesa quando do julgamento antecipado da lide (art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil - CPC), porque as matérias debatidas são estritamente de direito, notadamente por recaírem sobre a legislação vigente aplicável ao caso concreto, in casu as Leis Federais nº 11.738/08 e 11.494/07, bem como as Portarias do MEC relacionadas à matéria, como visto retro.
Por conseguinte, a colheita de prova testemunhal ou a prova pericial se torna despicienda, porquanto, independentemente do depoimento prestado ou do parecer técnico do Sr. Perito, será a normativa vigente e a jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores que dirá o direito e se os vencimentos do professor autor devem ser corrigidos ou não.

CONCLUSÃO

Deste modo, para não mais me alongar e nem me tornar repetitivo, verifico que, realmente, os professores da educação básica têm sofrido prejuízo no reajuste de seus vencimentos, ano após ano, tendo em vista que o próprio Governo Federal, através do MEC e da AGU, não soube atender aos ditames legais expressos.
E aqui aproveito o ensejo para, conforme mencionado acima, aludir que a Lei nº 11.738/08 foi declarada constitucional pelo STF via ADI nº 4.167/DF, tendo a Corte Suprema pacificado o entendimento de que o piso salarial se refere ao vencimento básico do servidor.
Neste passo, duas decisões importantes, proferidas no curso do julgamento da ADI citada, devem ser aqui mencionadas.
Inicialmente, no julgamento de uma Medida Cautelar na ADI, o Pretório Excelso, dando interpretação conforme ao art. 2º da Lei em tela, consignou que, até o julgamento final da demanda, a referência ao piso salarial seria a da remuneração definida por cada ente federado (estadual ou municipal) e não o do vencimento básico inicial da carreira, previsto na lei (R$ 950,00).
Ao final, quando do julgamento de Embargos de Declaração, o STF modulou os efeitos da decisão proferida na ADI, para considerar que o pagamento do piso salarial, com base no vencimento básico, seria devido a partir do julgamento definitivo da lide, em 27/04/11.
Por conseguinte, não obstante a viabilidade do piso salarial profissional nacional dos profissionais do magistério público da educação básica, conforme decisão da Suprema Corte Brasileira, tais valores somente foram determinantes e obrigatórios a partir de 27/04/11, os quais deverão, necessariamente, sofrer a correta atualização de seus valores, desde 2009.


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